Muita
coisa melhorou na vida do Homo sapiens nos últimos 20 mil anos, mas uma piorou:
a quantidade de cáries. É o que concluiu um grupo de dentistas, antropólogos e
arqueólogos.
Saber
se diabete ou hipertensão eram frequentes na Idade da Pedra Lascada é
praticamente impossível. Esqueletos, ruínas e artefatos são tudo de que
dispomos para entender como era a vida de nossos ancestrais.
Algumas
vezes encontramos ossos quebrados e marcas de pancadas nos crânios, o que
permite avaliar o nível de violência ou os acidentes do no dia a dia. Mas
talvez nunca venhamos a saber a incidência de doenças metabólicas ou a
prevalência da obesidade.
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Avaliações de cáries em crânios |
Mas,
se essa ignorância incomoda os médicos, os dentistas têm mais sorte. A
quantidade de fósseis de crânios humanos é enorme. Muitos se dedicam a
verificar o estado dos dentes de nossos antepassados, correlacionando seus
achados com a época em que viveram, seus hábitos alimentares e a idade de cada
um.
Nossos
parentes distantes, os macacos, dificilmente apresentam cáries durante a maior
parte de sua vida. Elas e outras doenças dentárias só aparecem no final da vida
e são sinal de envelhecimento.
O
que sabemos dos dentes de nossos ancestrais mais antigos vem do exame de crânios de humanos que viveram
antes do desenvolvimento da agricultura. Examinando mais de mil crânios dessa
época, foi constatada pelo menos uma cárie em só 2% dos indivíduos. Eram
coletores e caçadores, comiam raízes, frutos, sementes duras e um pouco de
carne.
O estado
dental começou a piorar há 13 mil anos, no Neolítico, quando surgiu a
agricultura. Nessa amostra de crânios, 9% deles possuíam uma cárie. Nessa época
o consumo de grãos moídos, ricos em carboidratos, começou a fazer parte da
dieta humana. Muito depois, tanto
no Egito (há 3,3 mil anos) quanto nos crânios de aborígenes australianos (há
uns 70 anos), a quantidade de cáries era próxima a 2%, mas esses povos não
haviam adotado completamente a dieta rica em grãos típica das civilizações que
adotaram a agricultura.
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O açúcar é um dos maiores responsáveis pelas cáries |
Açúcar
Nas
populações europeias, há até 4 mil anos, a quantidade de crânios com cáries era
de 10%. Há cerca de 2,3 mil anos, Alexandre, o Grande, trouxe o açúcar à
Grécia. A quantidade de cáries aumentou lá, em Roma e depois em toda a Europa
durante a Idade Média. O mesmo ocorreu na Inglaterra, quando, após a conquista
das Índias, os navios trouxeram grandes quantidades de açúcar. O imposto sobre
o açúcar foi reduzido em 1874 e o consumo explodiu. A partir desse momento,
mais de 90% dos crânios ingleses possuem múltiplas cáries em quase todos os
dentes.
Nessa
época a alta incidência de problemas dentários fez com que as pessoas passassem
a limpar os dentes: surgiram escovas, pastas, dentistas. Essa nova tecnologia
estancou a incidência de cáries, que estabilizou em nível alto (50% a 90% das
pessoas com cáries) na a Europa até meados do século 20. Em 1970, foi introduzido
o flúor na água, o que melhorou um pouco a situação. Agora, no início do século
21, pela primeira vez a incidência está aumentando novamente.
A introdução
de carboidratos purificados (amido) e solúveis (açúcar) em nossa dieta é
provavelmente o grande culpado pelas cáries. Esse estudo é um bom exemplo de
como a evolução tecnológica da humanidade é muito mais rápida que a biológica.
Nossa
espécie viveu por milhões de anos comendo raízes, frutas, grãos e carne.
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O amido também é um agente de cáries, e está presente em vários alimentos |
Sobreviveram os indivíduos com dentes que resistiam nesse ambiente, mesmo sem
higiene bucal. Mas o homem descobriu a agricultura e, com ela, carboidratos
fáceis e baratos. E começou a consumi-los, apesar de seus dentes não estarem
adaptados. Os dentes passaram a apodrecer rapidamente, o que deveria ter
pressionado a população a comer menos destes alimentos. Mas novas tecnologias,
como a escova e a dentadura, livraram-nos da pressão seletiva, a força maior da
evolução.
A
lição é simples: qual a melhor dieta para o ser humano? Aquela para a qual
fomos selecionados durante milhões de anos, a dos que viveram antes da
descoberta da agricultura.
Fonte: o Estadão – Fernando Reinach - Biólogo
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