Prostituição infantil é dos temas mais constrangedores |
Um dos
temas mais constrangedores ao Brasil, não apenas à própria sociedade
brasileira, como no âmbito internacional, é a existência da chamada prostituição
infantil. A despeito de todos os esforços do Estado no
enfrentamento deste problema, há a permanência de uma realidade hostil para
muitas crianças – principalmente meninas – nas regiões mais pobres do país:
segundo a UNICEF, em dados de 2010, cerca de 250 mil crianças estão
prostituídas no Brasil.
De
forma geral, a prostituição infantil trata-se da exploração sexual de uma
criança a qual, por vários fatores, como situação de pobreza ou falta de
assistência social e psicológica, torna-se fragilizada. Dessa forma, tornam-se
vítimas do aliciamento por adultos que abusam de menores, os quais ora buscam o
sexo fácil e barato, ora tentam lucrar corrompendo os menores e conduzindo-os
ao mercado da prostituição.
Inúmeras campanhas tentam reduzir a violência sexual e a prostituição |
Os
aspectos facilitadores desta condição na qual se vê destruída a infância
desconsideram os direitos e a necessidade de proteção da criança. Para além das
possíveis vulnerabilidades decorrentes da situação socioeconômica - se não a
principal causa, certamente uma das mais importantes – estão outros aspectos
como o próprio gênero da criança, fato que explicaria uma maior vulnerabilidade
das meninas, tão expostas à violência contra a mulher até mesmo no ambiente familiar.
Isso sugere que são aspectos importantes para a compreensão da violência contra
a criança e outros para além daqueles ligados apenas às questões de pobreza. A
questão de gênero estaria intrínseca a um modelo sociocultural que, por vezes,
como no caso brasileiro, pode reproduzir uma naturalização da discriminação
contra a mulher (fruto de valores machistas), vista como objeto destituído de
valor, de consciência e liberdade.
Assim,
não se deve associar a prostituição infantil apenas à condição
de pobreza da criança, mas sim considerar as particularidades
de sua manifestação. Também para além da pobreza, o desenvolvimento de vícios
por drogas conduzem essas crianças a uma situação deplorável e de extrema
necessidade de cuidados especiais. Para atenderem às imposições da dependência
química que as dominam, vendem seus corpos para conseguirem algum dinheiro para
a compra de drogas (ou mesmo aceitam fazer programas tendo como pagamento a
própria droga).
Outro
complicador desta questão é o chamado turismo sexual, o
qual consiste na chegada de vários estrangeiros a regiões como o Nordeste
brasileiro em busca de sexo. Meninas pobres, moradoras das regiões periféricas
e precárias ao redor dos grandes centros ocupam as principais ruas e avenidas
para se oferecerem como mercadoria barata neste mercado do sexo que se
estabelece em endereços turísticos por todo o Brasil, principalmente nas praias
nordestinas.
Se por
um lado a prostituição ainda faz parte da realidade brasileira, é importante
destacar alguns avanços nesta luta. No Brasil, em 2000, institui-se o Plano
Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil,
assim como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e
Exploração Sexual Infanto-Juvenil, comemorado em 18
de maio, dia em que uma menina de 8 anos foi abusada e morta em
1973 no Estado do Espírito Santo causando indignação nacional. Segundo o
Governo Federal,
este Plano Nacional de Enfrentamento está dividido em seis
eixos estratégicos, sendo eles: Análise da Situação, Mobilização e Articulação,
Defesa e Responsabilização, Atendimento, Prevenção e Protagonismo
Infanto-Juvenil. A coordenação deste Plano fica a cargo do Conselho Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), assim como dos Conselhos de
Direitos Estaduais e Municipais de cada região. Além destas instituições,
outras esferas de acompanhamento e controle foram criadas, além de Varas
Criminais especializadas em crimes contra crianças e adolescentes. Ainda
segundo o governo federal, em 2008 foram reunidas mais de 3.500 pessoas de várias
nacionalidades no III Congresso de Enfrentamento da Exploração Sexual de
Crianças e Adolescentes, no Rio de Janeiro, fato que marca uma sensibilidade
internacional com esta realidade que afronta os Direitos Humanos.
O Plano Nacional de Enfrentamento é coordenado pelo Conselho Nacional de Direito da Criança e do Adolescente |
Segundo
o site da UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância, este órgão adotou
em meados de 2000 o Protocolo Facultativo para a
Convenção sobre os Direitos da Criança, que trata da venda de
crianças, prostituição e pornografia infantis. Vários países aderiram, a
exemplo do governo brasileiro que promulgou tal protocolo em 2004. Este
documento não apenas evidencia uma preocupação internacional, mas sinaliza a
tentativa da criação de mecanismos para esforço mútuo contra essas terríveis
formas de violência e exploração contra a criança. Ao longo do texto que
introduz os pontos deste protocolo, a UNICEF aponta haver a concordância entre
os países de que “a eliminação da venda de crianças, prostituição e pornografia
infantis será facilitada pela adoção de uma abordagem global que leve em conta
os fatores que contribuem para a existência de tais fenômenos, particularmente
o subdesenvolvimento, a pobreza, as desigualdades econômicas, a iniquidade da
estrutura socioeconômica, a disfunção familiar, a falta de educação, o êxodo
rural...” (UNICEF, 2011, s/p).
Isso
mostra que o posicionamento mais efetivo do Estado com relação a este problema
não apenas se faz urgente, como também possui de fato certa complexidade. Não
se trataria apenas de coibir a ação de aliciadores ou de uma clientela em potencial
deste tipo de prostituição, mas fundamentalmente pensar o cuidado com o menor e
o adolescente nas mais diversas esferas: da saúde, passando pela educação, bem
como na criação de oportunidades claras de inclusão social. Requer a
necessidade de apoio e orientação psicológica às crianças nesta condição, seja
para aquelas que realmente estão em condição de rua, seja para aquelas que a
despeito de terem família estão em um ambiente impróprio para sua infância e
formação enquanto indivíduo (haja vista a exploração promovida em muitos casos
pelos próprios pais).
Em
suma, cabe ao Estado zelar pelo bem-estar da criança e do adolescente, em
especial por aqueles em maior situação de vulnerabilidade social.
Porém, tal vulnerabilidade seria promovida não apenas pelo desprovimento de
recursos, mas também pela naturalização cultural da discriminação, como no caso
das meninas vistas como meros objetos. Logo, é preciso refletir não apenas
sobre o papel do Estado, mas sobre o da própria sociedade, sobre seus valores e
sua capacidade de percepção sobre a real natureza da lógica da violência contra
a criança.
Fonte: Paulo Silvino Ribeiro - Colaborador Brasil Escola, Bacharel em Ciências Sociais pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas, Mestre em Sociologia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista, "Júlio de Mesquita Filho" Doutorando em Sociologia pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas.
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