Luiz
Henrique, 13, só queria comer um hambúrguer com os colegas na hora do recreio.
Mas, para uma criança alérgica a leite, um simples lanche pode acabar em
anafilaxia (reação alérgica severa, com estreitamento das vias aéreas): como a
chapa da cantina da escola estava cheia de restos de queijo, o menino passou
mal e teve que ser hospitalizado para conseguir voltar a respirar direito.
Consciente de suas restrições, Luiz Henrique não costuma vacilar. Lê com
atenção os rótulos dos alimentos industrializados para detectar possíveis
riscos. Com medo de reações, ele volta e meia prefere ficar com fome. Mãe de
dois filhos alérgicos, Luiz Henrique e Bernardo, 2, a dona de casa Isabela
Ferraro está engajada na campanha Põe no Rótulo, de conscientização quanto à importância
da rotulagem clara dos alimentos.
O
movimento, que há um mês vem mobilizando as redes sociais, é conduzido por um
grupo de mães como Isabela. Representa os anseios de cerca de 600 famílias que
se conheceram em grupos de trocas de informação sobre alergia na internet. Como
forma de apoair o grupo, personalidades como Zico, o cantor Gustavo Lima e o
músico Tony Belotto já tiraram fotos com o lema.
Cerca de
10% da população brasileira tem alergia a algum tipo de alimento, segundo a
Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia). Estudos da Faculdade de
Medicina da USP (Universidade de São Paulo) mostram que mais de um terço das
reações alérgicas estão relacionados a equívocos na leitura dos rótulos de
produtos industrializados. Ainda assim, por força de uma determinação da Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a indústria hoje só tem obrigação
de anunciar a presença de glúten.
A menção à
presença de leite, ovo, soja, peixe, crustáceos e oleaginosas, entre outros
alérgenos, garantiria a segurança dos alérgicos, que correm o risco de morte
por anafilaxia em caso de ingestão e ausência de socorro rápido. As mães querem
segurança na hora da compra. Mas, mais do que pressionar a Anvisa a definir
pela obrigatoriedade da rotulagem completa, o objetivo da campanha é informar a
sociedade sobre o assunto, desconhecido da maioria. "A gente não quer que
saia uma lei de qualquer jeito. Termos como 'pode conter', 'contém' e 'livre
de' têm que ser bem compreendidos", explica a advogada Maria Cecília Cury.
Mãe de uma criança sensível a alguns alimentos, ela defendeu tese de doutorado
na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) sobre o tema.
Põe no rótulo
Porta-voz
da campanha, Maria Cecília lembra que os rótulos precisam explicar, por
exemplo, se o produto contém traços, mesmo que mínimos, de determinado
alimento. Os traços são resultantes da prática de compartilhamento de
maquinário para a produção de diferentes produtos. Parte dos alérgicos
apresentam reações a eles; parte, não. Daí a necessidade de informações
minuciosas.
No Facebook, a campanha está na página www.facebook.com/poenorotulo.
Enquanto a norma não vem, as mães mobilizadas pela internet se revezam nos
contatos com os fabricantes para se informar da presença de alérgenos. Isabela
Ferraro nem sempre confia nas respostas. "Eu ligo para os serviços de
atendimento ao consumidor das fábricas, mas as informações nunca são seguras.
Sempre desconfio".
A
anafilaxia é o tema da Semana Mundial da Alergia, que começa nesta
segunda-feira (7). Segundo a Asbai, a incidência no Brasil varia entre 10 a 20
pessoas para cada 100 mil habitantes. O presidente da associação, Fábio Morato
Castro, alergista e professor da USP, acredita que o fato de a campanha ter
sido iniciada por mães dos alérgicos, e não pela classe médica, dá mais força à
demanda. Ele defende que os rótulos não utilizem termos complicados. "Todo
mundo tem que compreender. Alguns rótulos dizem 'contém caseína', que é uma das
proteínas do leite, mas nem todo mundo sabe disso".
Fonte:
Jornal Estado de São Paulo – 07/04/14
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