Entupiu. Saturou. Não cabe mais.
Se os 7,4 milhões de veículos saíssem às ruas de São Paulo ao mesmo tempo,
circulando a 40 km/h, a cidade precisaria de mais do que duplicar os 17 mil
quilômetros de ruas existentes.
Se os 5,4 milhões de carros
fossem estacionados em fila indiana, ela alcançaria 27 mil quilômetros -três
vezes a extensão do litoral brasileiro. As contas foram feitas pela reportagem
a partir de dados da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos).
Preocupado? A boa notícia é que
após as manifestações de junho, iniciadas contra o aumento de tarifas de
transporte, caíram os riscos do apocalipse motorizado, opinam estudiosos do
tema.
Todos os níveis de governo e os
usuários de carro se dizem a favor do transporte público. Pesquisa Datafolha de setembro, por exemplo,
mostrou que 77% dos usuários de automóvel apoiam faixas exclusivas de ônibus na
capital.
"Há uma janela de
oportunidade única para mudanças", diz o pesquisador Carlos Henrique
Carvalho, do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas). "Foi
como se todo mundo começasse a ouvir o que repetimos há 30, 40 anos". O
que os pesquisadores repetem é que não há solução se o carro for privilegiado e
se as cidades continuarem a ser construídas para automóveis.
A pressão das ruas produziu uma
cadeia de fatos novos, num ritmo inédito nas políticas públicas. Nunca se
anunciou tanto investimento em transporte público.
O governo federal é um exemplo.
Passou de um gasto efetivo de R$ 2 bilhões este ano, segundo o Ipea, para uma
previsão de investimentos de R$ 50 bilhões nos próximos quatro anos.
O governo paulista deve investir
R$ 45 bilhões no período 2012-2015. Já os gastos previstos da prefeitura nessa
área serão de R$ 11,6 bilhões entre 2014 e 2017.
O grande dilema é como diminuir o fosso que separa o conforto do automóvel da
vida de gado no ônibus para atrair os donos de carro para o transporte público.
A Prefeitura de São Paulo
escolheu um tratamento de choque para tentar resolver o dilema. Criou em sete
meses 224 quilômetros de faixas exclusivas de ônibus. Só essa mudança
praticamente dobrou a velocidade dos ônibus, de 13 para 25 km por hora. "Hoje
a prefeitura está trabalhando para aumentar o congestionamento. Parece cruel,
mas o resultado será bom", diz Ailton Brasiliense, presidente da ANTP.
Será bom, diz ele, porque não há
solução de transporte com o número de veículos que circulam em São Paulo, no
Rio ou em Recife -a frota de carros cresceu 105% no país entre 2002 e 2012. O
passageiro de um carro em movimento ocupa 40 vezes mais espaço do que um de
ônibus.
A aposta da prefeitura
paulistana é nos chamados BRT, sigla de "bus rapid transit" (trânsito
rápido de ônibus), invenção curitibana de 1979 que os brasileiros passaram a
admirar depois do sucesso em Bogotá. O BRT é o corredor segregado, com estações
em que o passageiro paga antes de entrar no veículo.
A BRT virou o queridinho de
técnicos e políticos porque tem a melhor relação custo-benefício: transporta 30
mil passageiros por hora em cada sentido e o quilômetro linear custa R$ 40
milhões.
O metrô
transporta mais do que o dobro de passageiros (80 mil), mas o quilômetro
consome R$ 500 milhões por causa do custo da terra para desapropriações em São
Paulo, de acordo com o Metrô.
A
prefeitura quer criar 150 quilômetros de BRT até 2016, ao custo de R$ 6
bilhões.
O Metro transporta o dobro de passageiros do sistema convencional |
Não será uma transição fácil,
segundo o engenheiro Willian Aquino, que trabalha na implantação de um VLT no
Porto Maravilha, no Rio. "Sempre
tem caos nas mudanças de sistemas. Por isso recomendo o tratamento de choque.
Sem ele, você não corta o vício em carro", diz.
O arquiteto Tadeu Leite, diretor
de planejamento da CET, refuta a previsão de caos na construção dos corredores
do VLT, mas prevê redução na velocidade dos carros. "Não tem como melhorar
sem sacrifício no meio do caminho."
Fonte: Folha de Sao Paulo - Caderno " Cotidiano" - 12/10/2013
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